quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Escolhas ?!

Todos temos uma noção mais ou menos vaga de que a percepção daquilo que vemos, do que nos é dado a ver, muda de acordo com a nossa posição de observador. Se eu estiver de pernas para o ar, as coisas à minha volta mostram-se de uma forma descentrada e invertida; deitado no chão e de olhos fixos no ar a diferença é menor mas, mesmo assim, os ramos das árvores apresentam uma peculiar distribuição espacial. De novo de pé tudo volta à familiaridade habitual excepto se a experiência nos tiver afectado a confiança nos sentidos. Deste exercício instrutivo toda a gente pode concluir coisas idênticas sobre a importância do lugar e da posição específica da qual se olha o mundo.
Mas quando se trata de valores e de construções ideológicas, subitamente, ninguém tem dúvidas sobre a indiscutível certeza do seu olhar habitual.

1. Nasci numa casa em Vila Nova de Gaia que já aparece em litografias dos finais do séc.XIX, localizada onde a Ribeira do cais de Gaia começa a subir a encosta. De lá vê-se o rio e a Ponte de cima para baixo e o Porto em frente. Era bonito. Em 1975 fiz uma viagem de carro a Paris com 3 amigos passando por Salamanca, Barcelona, Arles, à vinda por Chartres, San Sebastian e Burgos. Quando voltámos e dei de frente com o mesmo sítio que conhecia desde que nasci, percebi que nunca tinha olhado para ele da perspectiva que quem viu outros lugares. Não era só bonito; era inacreditável e único.

2. Muitos anos mais tarde decidimos levar Max von Egmond – o evangelista da Paixão segundo São Mateus gravada por Leonhardt – a jantar à Ribeira. Como conhecia bem o local decidi descer a Rua General Torres em Gaia para lhe mostrar a perspectiva dali.
Max disse aquilo que diz a maior parte das pessoas quando o vê pela primeira vez. Mas já no restaurante disse mais: Venho a Portugal em Setembro há mais de seis anos, apanho sempre daqui o avião para Amesterdão, porque é que ainda ninguém me tinha trazido aqui? Porque é que não me tinham mostrado isto?

3. Alguns anos depois alguns músicos de Lisboa meus amigos foram ao Porto tocar duas peças minhas. Decidiram ir passear para ver a famosa Ribeira. Disseram-me depois algumas coisas. Tinham ido pelo túnel. Quem é que teve a ideia de fazer aquele túnel ali?
Era horrível. O próximo passo do passeio tinha sido a contemplação do esgoto que vai parar ao rio mesmo por baixo da Praça. Também era horrível, toda aquela porcaria a sair dali e os peixes num combate feroz pela maior quantidade de merda disponível.

4. Moral desta história: a realidade está lá em todo o seu esplendor de encantamento e merda. Aquilo que determina o olhar, a sua qualidade, é a posição do observador em relação ao mundo. O olhar efectua uma selecção com base no que tem dentro de si, da sua capacidade de ver. No mesmo sítio onde aquele holandês escolheu ver o sublime aqueles portugueses escolheram ver o túnel e a merda. Pode-se escolher entre o horizonte largo e o foco estreito.


António Pinho Vargas

Nota: o título do post não é o título do texto.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Músicas II

Pronto aqui está a segunda parte. Qualquer dúvida ou comentário é favor deixar. Boas audições... .








Músicas I

Deixo aqui uma pequena amostra das minhas últimas audições...